03/08/2016

Transtorno de Personalidade Borderline

BorderlineO Transtorno de Personalidade Borderline é o ponto de referência para todos os Transtornos de Personalidade do Grupo B do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders). Sua definição é mais clara quando se descreve o paciente acometido pelo transtorno e na comparação com outras desordens mentais.
Há possibilidade de sobreposição de diagnósticos, principalmente nos Transtornos de Personalidade do Grupo B (GABBARD, 2006). Ou seja, o paciente borderline pode ter aspectos de outros transtornos de personalidade. Para uma definição mais clara colocarei abaixo a descrição DSM-V para o transtorno. Contudo quero deixar claro que essa descrição, por si só, não é parâmetro para diagnóstico, que deve ser feito pelo psiquiatra ou psicólogo, pois estes profissionais têm condições de avaliar todos os aspectos do paciente e diferenciar cada transtorno.

Critérios Diagnósticos         301.83 (F60.3)

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Um padrão difuso de instabilidade das relações interpessoais, da autoimagem e dos afetos e de impulsividade acentuada que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes:
1. Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado. (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.)
2. Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização.
3. Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo.
4. Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (p. ex., gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar). (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.)
5. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante.
6. Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade de humor (p. ex., disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias).
7. Sentimentos crônicos de vazio.
8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p. ex., mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes).
9. Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos.
Apesar do diagnóstico parecer fácil pela descrição do DSM, vários aspectos devem ser considerados. Em entrevista a Claudia Tenório do canal Vida Melhor (Rede Vida), a psicanalista Taty Ades explica que o paciente borderline também tem oscilação de humor como um bipolar, entretanto o borderline não tem uma explicação biológica/cerebral como o bipolar. Esclarece ainda que o autoflagelo (se machucar de propósito) e a compulsão, por exemplo, são sintomas que aparecem em diversas desordens mentais e não só no Transtorno de Personalidade Borderline.
A medicação neste caso não é específica para o transtorno, mas sim direcionada aos sintomas, que podem variar e assemelharem-se aos sintomas de Depressão, Transtorno Bipolar entre outros transtornos. Isso não significa que tratar os sintomas, por exemplo de depressão, em um paciente que apresente estes sintomas seja suficiente para o tratamento do Transtorno de Personalidade Borderline.
O adulto borderline tem sentimentos de abandono que vem desde a infância, por isso recorre ao autoflagelo ou a tentativa de suicídio para “prevenir” o abandono, investindo sempre em relações que julga estável.
Gabbard apud Kernberg (2006) menciona que paciente borderline estão sempre revivendo uma crise infantil que influencia o comportamento na fase adulta, fazendo com que o paciente veja as pessoas (e o psicoterapeuta também) de acordo com essas experiências. Por isso consideram as pessoas como “possíveis ameaças” já que na infância tiveram experiências traumáticas. Veem as pessoas como todas boas ou todas ruins, não tendo um “meio termo”. Ou seja, há uma dificuldade em reconhecer que as pessoas podem ter qualidades e defeitos ao mesmo tempo.
De certa forma isso também ocorre em relação ao terapeuta, que por exemplo, ao negar atender o telefonema de um paciente borderline num domingo de madrugada pode passar de “salvador” a “cruel e despreocupado” na mente do paciente. Por isso, a aliança terapêutica com o paciente é difícil, independente da técnica psicoterapêutica utilizada.
Cada paciente apresentará desafios singulares e a técnica psicoterapêutica deve ser ajustada a cada um. Pode ser que um paciente acredite que precisa de sessões mais longas ou mais de uma sessão por semana e, na hipótese dessas crenças não serem de fato justificáveis, a recusa do terapeuta em atender estas expectativas pode ser entendida como uma privação cruel. Como já mencionado acima, para os borderlines, ou as pessoas são inteiramente boas ou inteiramente más, por isso a delimitação de limites pode ser entendida de forma maléfica.
O tratamento em conjunto a psiquiatria pode induzir o paciente a ver o médico psiquiatra como “aquele que não me ouve, só me dá remédios” e o psicólogo como “aquele que me dá ouvidos e me entende”, por outro lado esta situação pode ser invertida e o paciente pode ver o psiquiatra como “aquele que me dá o remédio que vai me tratar” e o psicólogo como “aquele que só quer falar de coisas dolorosas”. Essa visão que o paciente tem dos profissionais envolvidos em seu tratamento precisa ser entendida e esclarecida, ajudando o paciente a entender e introjetar os aspectos bons e ruins das pessoas e até os aspectos dele próprio, projetado nos outros.
Introjeção e projeção são mecanismos de defesa, dentre os vários existentes.
Bateman e Fonagy (2013) defendem o Tratamento Baseado na Mentalização (TBM). Falarei sobre o tratamento mais a frente, porém, no que diz respeito à definição do paciente borderline e seu comportamento vale uma explicação do que é a mentalização e como ela é prejudicada no paciente borderline.
Mentalização é a capacidade de entender os estados mentais. Estados mentais podem ser determinados interna ou externamente. Internamente: quando sentimos algo após um pensamento, por exemplo. Externamente: quando alguém nos provoca uma sensação, após uma crítica, por exemplo.
Segundo os autores, pacientes borderlines tem problemas com a mentalização, não conseguindo reconhecer os estados mentais (próprios ou dos outros). A mentalização é prejudicada após algum trauma psicológico. Mas ATENÇÃO, a inibição da mentalização pode ocorrer mesmo sem trauma. Ou seja, o trauma não é condição exclusiva para a formação da personalidade borderline.
Bateman e Fonagy (2013) dizem, inclusive, que a mentalização dos borderlines é normal, exceto nos relacionamentos de apego, em que tendem a interpretar mal as mentes (própria e dos outros).
Ao mesmo tempo em que o paciente com Transtorno de Personalidade Borderline frequenta a terapia sem faltar, deposita no terapeuta uma transferência negativa.
Transferência é um conceito da Psicanálise. Em suma, significa reviver, no presente, aspectos do passado. Transferência negativa: reviver aspectos ruins. Transferência positiva: reviver aspectos bons. Por exemplo, a raiva que um paciente sentiu, pelo pai ou pela mãe, na infância, pode ressurgir transferida ao terapeuta, na idade adulta.
Como já citado acima, é pela transferência que o paciente entende o psicoterapeuta ou médico psiquiatra como todo bom ou todo ruim. A transferência, como mencionado por Gabbard (2006) é cindida e dividida.

Tratamento

O tratamento farmacológico é mais destinado aos sintomas do que ao transtorno em si. Não existe um remédio específico para Transtorno de Personalidade Borderline, já que não se trata de algo químico/cerebral. Um paciente pode ter sintomas de depressão e se beneficiar de remédios para esses sintomas, mas tratar os sintomas de depressão não irá necessariamente tratar o Transtorno de Personalidade Borderline.
Além do tratamento do paciente, é importante que a família do borderline também procure ajuda, para que assim possa lidar com o familiar acometido por esse transtorno de forma adequada.
Gabbard (2006) expõe duas formas de tratamento/psicoterapia: o Tratamento Baseado na Mentalização e a Psicoterapia Focada na Transferência.
Já me referi a esses tratamentos acima, por isso citarei aqui as técnicas principais e em comum defendidas pelo autor, independente da técnica utilizada.
No Tratamento Baseado na Mentalização (TBM), defendido por Bateman e Fonagy (2013) o foco central é desenvolver e melhorar a capacidade de mentalização do paciente. O psicoterapeuta também deve prestar atenção em sua própria mentalização já que é alvo constante da transferência negativa (já citada acima) do paciente.
Já a Psicoterapia Focada na Transferência (PFT), defendida por Kernberg (2013) o foco central da terapia é a transferência.
Independente da técnica, a aliança terapêutica com pacientes borderlines é difícil. Muitos abandonam o tratamento em menos de 06 meses.
“Embora a abordagem terapêutica varie dependendo das necessidades do paciente, diversos princípios da técnica se aplicam amplamente à maioria dos pacientes com diagnóstico de borderline” (GABBARD, 2006, p. 339) 
É preciso estabelecer condições que tornem a psicoterapia viável. As limitações do terapeuta precisam ficar claras, tirando-o da posição de “salvador onipotente”. Isso pode levar a alguns questionamentos quanto a eficácia do tratamento, mas é necessário deixar claro que o psicoterapeuta não tem o que fazer em momentos impulsivos de um paciente suicida, por exemplo. Isso pode culminar em exigências para que a psicoterapia continue, como exigir a internação em caso de pacientes propensos ao suicídio ou exigir a frequência em grupos como os Alcoólicos Anônimos ou Narcóticos Anônimos para os pacientes adictos.
Os limites devem ser estabelecidos a medida em que o paciente exige, de forma injustificada, mais sessões por semana ou sessões mais longas.
Se a falta de limite não significa um tratamento melhor, a recíproca também é verdadeira. Ou seja, dar limite não significa um tratamento pior.
A aliança terapêutica, apesar de difícil, deve ser mantida e a cisão entre a psicoterapia e a farmacoterapia deve ser manejada, pois o paciente pode ver o médico como aquele que “dá o remédio que vai resolver todos os problemas” e o psicoterapeuta como “aquele que quer falar dos sentimentos dolorosos”. Por outro lado pode ver o médico como “aquele que só receita o remédio e dispensa” e o psicoterapeuta como “aquele que ouve por mais tempo”.
Na psicoterapia o paciente é ajudado a entender melhor os aspectos bons e ruins, tanto próprios quanto dos outros.

Diagnóstico

É importante que o médico psiquiatra e o psicólogo observem todos os aspectos da história do paciente pois o diagnóstico pode ser confundido dependendo do grau do transtorno. Gabbard (2006) expõe as características dos pacientes borderlines de acordo com as definições do DSM por razões didáticas, mas deixa claro que, principalmente no Grupo B os pacientes podem ter aspectos de outros Transtornos de Personalidade.

Causas

Autores defendem que o abuso infantil e o abandono são fatores desencadeantes deste transtorno. Experiências traumáticas na infância parecem explicar bastante o comportamento no borderline adulto (BATEMAN & FONAGY, 2013)
Fernando Parede
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Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 992p.
BATEMAN, A; FONAGY, P. Tratamento baseado na mentalização e transtorno de personalidade borderline. In: CLARKIN, J. F; FONAGY, P; GABBARD, G. O. (Orgs.). Psicoterapia Psicodinâmica para transtornos da personalidade – Um manual clínico. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 202-224.
GABBARD, GLEN O. Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. Quarta edição. Porto Alegre: Artmed, 2006. 462 págs.
SAIBA tudo sobre Transtorno de Personalidade Borderline. Entrevista com Taty Ades. 16’20”. Disponível em: <https://youtu.be/YJ1ZKsUu-qw>. Acesso em julho de 2016.
YEOMANS, F. E; DIAMOND, D. Psicoterapia focada na transferência e transtorno de personalidade borderline. In: CLARKIN, J. F; FONAGY, P; GABBARD, G. O. (Orgs.). Psicoterapia Psicodinâmica para transtornos da personalidade – Um manual clínico. Porto Alegre: Artmed, 2013. p. 225-254.
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