04/09/2016

Transtorno de Personalidade Narcisista

TP Narcisista Um pouco de amor-próprio é normal e até desejável. Mas, como saber se esse amor-próprio é patológico? A diferença está nas relações interpessoais. O narcisista se aproxima das pessoas quando pode se beneficiar dessa aproximação e se afasta quando a relação demanda necessidades próprias do outro.
Imagine um adolescente, um homem de 30 anos e um de 45 em frente ao espelho. Imagine que todos eles passam pelo menos 45 minutos em frente o espelho se arrumando antes de sair de casa ou logo ao acordar. Este comportamento é compatível com todas as faixas etárias mencionadas acima? Claramente não! Um adolescente, preocupado com as mudanças corporais e ansiedades próprias da adolescência passará muito mais tempo em frente ao espelho. O homem na faixa dos 45 anos também, já que passa a se preocupar com o envelhecimento, diferente do jovem na faixa dos 30 anos.
O termo narcisista vem da mitologia grega, que conta a estória de Narciso, um jovem apaixonado pelo próprio reflexo. Sendo assim, o Transtorno de Personalidade Narcisista pode ser entendido como uma patologia que leva a autoadmiração constante e uma autoimagem inflada e supervalorizada.
Gabbard (2006) cita dois tipos de paciente com Transtorno da Personalidade Narcisista: O narcisista distraído (também descrito pelo DSM) e o narcisista hipervigilante.
Enquanto o distraído “se engrandece” para diminuir a percepção alheia sobre seus defeitos o hipervigilante “se esconde” para que seus defeitos não sejam vistos.
O narcisista distraído é arrogante e agressivo, não se importando com as reações dos outros, sempre querendo ser o centro das atenções. Já o narcisista hipervigilante é altamente sensível às reações dos outros, dirigindo a atenção mais para os outros do que para si, evitando ser o centro das atenções.
A vergonha é um fator comum entre os dois tipos.
Narcisismo hipervigilante é diferente de Transtorno da Personalidade Evitativa. Como o foco do texto é o Transtorno da Personalidade Narcisista deixarei para expor essas diferenças em outro texto.
Kernberg (2013) expõe três níveis de gravidade do Transtorno, que varia em um continuum entre um grau mais leve, que parece neurótico, um grau intermediário e um grau mais grave, com funcionamento borderline. Diz também que alguns narcisistas podem ter um funcionamento antissocial (foco do próximo texto), entretanto deixa claro que o Transtorno de Personalidade Antissocial, a Síndrome do Narcisismo Maligno e o Transtorno da Personalidade Narcisista são psicopatologias diferentes, mesmo que ambas possam apresentar comportamento antissocial.
Em seu capítulo, Kernberg (2013) foca na exposição do nível intermediário e expõe características que destacarei no tópico dos sintomas.

Causas

Azevedo (2016) afirma que “a causa exata da desordem de personalidade narcisista não é conhecida”, entretanto expõe algumas explanações de outros autores sobre possíveis causas, como a vulnerabilidade biológica, interação social com cuidadores na infância entre outras.
Se por um lado o Transtorno da Personalidade Narcisista pode ser ocasionado por mimos excessivos na infância, por outro lado pode se desenvolver pela negligência dos pais/cuidadores aos cuidados infantis.

Sintomas

Neste tópico apresentarei primeiramente os sintomas evidenciados por Kernberg (2013) e posteriormente os sintomas elencados no DSM-5.
Kernberg (2013) ao se referir ao nível intermediário da psicopatologia, apresenta quatro características essenciais.
1. Patologia do Self. Egocentrismo excessivo, evitando a realidade contrária à imagem inflada que os narcisistas têm deles mesmos. Self é um termo técnico que significa (resumidamente) a percepção de si. Egocentrismo é a necessidade de ser o centro das atenções.
2. Patologia do relacionamento com os outros. Inveja imoderada, tanto consciente quanto inconsciente. Incapacidade de relacionar-se a longo prazo e empatizar.
3. Patologia do superego. Déficit em experimentar tristeza ou luto. Pode ocasionar comportamento antissocial crônico. Superego é um termo da Psicanálise. Entende-se por superego (resumidamente) a estrutura psicológica formada pelos conceitos de certo e errado, valores morais.
4. Sensação crônica de vazio e tédio. Esta sensação ocasiona o desejo por constante estimulação, seja afetiva ou artificial (pelo uso de drogas).
Abaixo, segue a tabela descritiva do DSM-5 (p. 669) para os critérios diagnósticos do Transtorno da Personalidade Narcisista. Apesar de a tabela se referir aos critérios diagnósticos, prefiro mencioná-la no tópico dos sintomas. Conforme citado acima, o DSM-5 se refere mais ao estilo distraído e não ao hipervigilante, evidenciados por Gabbard (2006).
Um padrão difuso de grandiosidade (em fantasia ou comportamento), necessidade de admiração e falta de empatia que surge no início da vida adulta e está presente em vários contextos, conforme indicado por cinco (ou mais) dos seguintes:
1. Tem uma sensação grandiosa da própria importância (p. ex., exagera conquistas e talentos, espera ser reconhecido como superior sem que tenha as conquistas correspondentes).
2. É preocupado com fantasias de sucesso ilimitado, poder, brilho, beleza ou amor ideal.
3. Acredita ser “especial” e único e que pode ser somente compreendido por, ou associado a, outras pessoas (ou instituições) especiais ou com condição elevada.
4. Demanda admiração excessiva.
5. Apresenta um sentimento de possuir direitos (i.e., expectativas irracionais de tratamento especialmente favorável ou que estejam automaticamente de acordo com as próprias expectativas).
6. É explorador em relações interpessoais (i.e., tira vantagem de outros para atingir os próprios fins).
7. Carece de empatia: reluta em reconhecer ou identificar-se com os sentimentos e as necessidades dos outros.
8. É frequentemente invejoso em relação aos outros ou acredita que os outros o invejam.
9. Demonstra comportamentos ou atitudes arrogantes e insolentes.

Diagnóstico

Apesar dos sintomas descritos acima serem bastante elucidativos o diagnóstico deve ser feito por profissionais da saúde mental (psicólogos e psiquiatras). Como já mencionei em outras postagens, os textos do blog não têm por objetivo fornecer informações para autodiagnóstico ou diagnóstico de um familiar.
Muitas vezes os pacientes narcisistas chegam ao consultório pela insistência de um familiar. Dificilmente procurarão ajuda espontaneamente.
O médico psiquiatra ou o psicólogo pode se apoiar nos critérios diagnósticos do DSM mas estará munido do conhecimento técnico e profissional sobre o diagnóstico diferencial e as características associadas que apoiam o diagnóstico.

Tratamento

“Tanto Kernberg quanto Kohut acreditavam que a psicanálise é o tratamento de escolha para a maior parte dos pacientes com transtorno da personalidade narcisista. Devido às limitações práticas de tempo e dinheiro, muitos dos pacientes também são vistos em psicoterapia expressiva-de apoio, com uma predominância de técnicas expressivas em sessões uma ou duas vezes por semana” (GABBARD, 2006, p. 368).
É importante ressaltar que aspectos narcisistas podem aparecer em todos os pacientes (e psicoterapeutas) independente de haver transtorno da personalidade narcisista. Estes aspectos podem minar o tratamento psicoterapêutico.
O paciente narcisista tem muita dificuldade em admitir certa dependência às interpretações psicoterapêuticas, levando a desistência ou então à ilusão de que se usa o terapeuta, como se toda sessão fosse a primeira, em que o paciente chega, “pega o que precisa” e vai embora.
“Podemos resumir brevemente os principais prognósticos negativos que surgem nesta categoria global de pacientes narcisistas ‘quase intratáveis’ como abrangendo o seguinte: ganho secundário da doença (…); comportamento antissocial grave; (…) abuso de drogas e álcool (…); arrogância invasiva” (KERNBERG, 2013, p. 293).
Enfim, o clínico deverá avaliar cuidadosamente o prognóstico para determinar o manejo do tratamento ou até mesmo fazer indicações para outros profissionais. É importante saber das próprias limitações para diferenciar um mau prognóstico de uma limitação pessoal.
Pessoalmente tenho pouca experiência com pacientes narcisistas, por isso a escolha de utilizar tantos trechos de autores, na íntegra, entre aspas, pois não encontrei explicações baseadas na minha trajetória.
Oque tenho observado e que inclusive será foco de um próximo texto, são os resultados positivos em atendimento familiar, cujo um dos integrantes apresenta traços de Transtorno de Personalidade Narcisista. Como apontado por Azevedo (2016) no tópico das causas, observo carências ambientais que necessitam de atendimento tanto quanto o próprio paciente identificado. Os resultados têm se demonstrado promissores.
O termo “ambientais”, neste caso, refere-se às relações interpessoais, às pessoas que nos cercam.
Fernando Parede
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Referências
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 992p.
AZEVEDO, T. Narcisismo: Causas, sintomas, diagnóstico, tratamento. Disponível em: <http://psicoativo.com/2016/01/narcisismo-causas-sintomas-diagnostico-tratamento.html>. Acesso em 03/09/2016.
GABBARD, GLEN O. Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. Quarta edição. Porto Alegre: Artmed, 2006. 462 p.
KERNBERG, O. F. Transtorno da Personalidade Narcisista. In: CLARKIN, J. F; FONAGY, P; GABBARD, G. O. Orgs. Psicoterapia Psicodinâmica para transtornos da personalidade: Um manual clínico. Porto Alegre: Artmed, 2013. pp. 273-302.
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