15/12/2017

Psicopatas do Cotidiano: uma resenha crítica

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MECLER, K. Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015. 256p.
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O livro Psicopatas do cotidiano, da autora Katia Mecler, tem 256 páginas e é dividido em 16 capítulos bastante ilustrativos e elucidativos sobre os Transtornos da Personalidade.

A autora inicia a obra com uma estória ilustrativa, passada na emergência de um hospital, em que vários personagens são descritos e, posteriormente, utilizados no decorrer das páginas dos seguintes capítulos, para exemplificar os transtornos da personalidade.

Além dos papéis descritos na crônica inicial, Katia utiliza personagens conhecidos de acontecimentos históricos, filmes, séries, livros e outras obras para exemplificar e elucidar os comportamentos observados em maior ou menor grau em cada transtorno.

Antes de começar a discussão sobre os Transtornos da Personalidade, a autora faz considerações sobre as formas de ser de cada um (entre nós ou entre os personagens do livro).

Assim ela discute a questão da personalidade.

O que é personalidade e qual é a forma "correta" de ser são algumas das indagações da autora que esclarece o conceito de personalidade citando desde Hipócrates até autores atuais.

Mecler, sustentada por outros autores, afirma que todos os "estilos" de personalidade estão entre um continuum que vai desde a instabilidade emocional em um extremo até a estabilidade emocional no extremo oposto.

A escolha por uma resenha crítica em vez de uma, apenas, descritiva se deu pelo título do livro que generaliza a psicopatia (apenas no título), apesar de ter em seu conteúdo diversas informações sobre os Transtornos da Personalidade.

Aproveitando a oportunidade, no texto seguem algumas opiniões sobre o livro que ultrapassam a mera descrição.
Segundo o DSM-5 (2014, p. 659) "esse padrão [Transtorno da Personalidade Antissocial] também já foi referido como PSICOPATIA, sociopatia ou transtorno da personalidade dissocial."
Por outro lado, Gabbard (2006, p. 441) diz que "é importante observar que os pacientes geralmente não se apresentam como 'culturas puras' de qualquer transtorno da personalidade. O DSM-IV-TR tem uma categoria extra de transtorno da personalidade sem outra especificação para reconhecer esse fato. Tal categoria pode ser usada para transtornos da personalidade que são 'mistos' e para aqueles incluídos no Apêndice B do DSM-IV-TR, como o Transtorno Passivo-agressivo da Personalidade."
Isso significa que os Transtornos da Personalidade não são "puros". Uma pessoa acometida por algum transtorno pode ter traços de outro.

Mais especificamente, por exemplo: alguém com Transtorno da Personalidade Borderline pode ter traços histriônicos ou de outros transtornos.

A própria autora explica que algumas pessoas têm traços de algum Transtorno da Personalidade sem necessariamente preencherem os requisitos para o diagnóstico.

Katia Mecler explica isso no quarto (4º) capítulo, intitulado Perturbados e Perturbadores: isso é loucura?

À partir do quinto (5º) capítulo a autora entra definitivamente no assunto dos Transtornos da Personalidade descrevendo, desde então, cada transtorno separadamente, por ordem alfabética, porém divididos por grupos A, B e C como no DSM.

No Grupo A, tanto no livro como no DSM, estão o Transtorno da Personalidade Esquizoide, Transtorno da Personalidade Esquizotípica e o Transtorno da Personalidade Paranoide. 

De acordo com a estória inicial os personagens do grupo A são:

  • Ronaldo, o laboratorista esquizoide;
  • Ana Cristina (codinome Luz do Sol), a missionária esquizotípica e;
  • Oswaldo, o administrador do hospital paranoide.

O quinto (5º) capítulo fala do Transtorno da Personalidade Esquizoide, enfatizando a estória de Ronaldo, o laboratorista e tem como sentença principal o seguinte: "Não levaria ninguém para uma ilha deserta".

Neste capítulo a autora diferencia Edward, mãos de tesoura e Willy Wonka de Eric Harris (um dos protagonistas da tragédia de Columbine).

Ambos têm traços esquizoides, mas as histórias têm um desenrolar diferente! 

Aliás, em todos os capítulos no decorrer do livro, a autora cita vários exemplos da cultura POP como filmes, livros, canções e poesias que não são exemplos de psicopatia.

Os Transtornos da Personalidade Esquizotípica e Paranoide são discutidos nos sexto (6º) e sétimo (7º) capítulos, respectivamente.

No sexto capítulo se descreve a personalidade de Ana Cristina, a esquizotípica que gosta de ser chamada de Luz do Sol.

Ela é uma missionária excêntrica que conversa com os pacientes levando a cultura exotérica para eles.

Já no sétimo capítulo se descreve a trajetória de Oswaldo, o administrador paranoide que, inclusive, acha que alguns funcionários com outros Transtornos da Personalidade são homens-bomba!

As frases que descrevem os Transtornos da Personalidade Esquizotípica e Paranoide são:

  • "No Limite", para esquizotípicos e;
  • "De olhos bem abertos" para os paranoides.

Como exemplo da PSICOPATIA a autora lembra o caso do Reverendo Jim Jones, um paranoide muito parecido com Charles Manson que convenceu uma ceita de 918 pessoas a se matarem.

Depois dessas descrições do Grupo A a autora entra, no oitavo (8º) capítulo, nos transtornos classificados pelo DSM como sendo do Grupo B. São eles:

  • Transtorno da Personalidade Antissocial;
  • Transtorno da Personalidade Borderline;
  • Transtorno da Personalidade Histriônica e;
  • Transtorno da Personalidade Narcisista.

Para explicar o Transtorno da Personalidade Antissocial a autora descreve melhor as características de Rodrigo, o namorado de Paula, a paciente borderline, descrita no nono (9º) capítulo.

Katia continua dando exemplos reais e da ficção para exemplificar os transtornos abordados em cada capítulo citando, por exemplo, Suzane Von Richtoffen como antissocial, mas explica que ter traços antissociais não significa necessariamente ser um criminoso.

O capítulo sobre o Transtorno da Personalidade Borderline é ilustrado por personagens (da estória inicial - Paula, de filmes e da realidade) como a protagonista Susanna (Winona Ryder), do filme Garota Interrompida.

Winona Ryder e Angelina Jolie que, por coincidência, são as atrizes que fazem o filme citado, também têm comportamentos da vida real, citados pela autora.

Faz-se também um alerta para o diagnóstico que pode ser confundido com Transtorno Bipolar, por suas características parecidas (humor instável, impulsividade).

O décimo (10º) capítulo dá espaço ao Transtorno da Personalidade Histriônica.

A frase descritiva deste capítulo, que retrata Sandra, mãe da paciente borderline na estória inicial, é a seguinte:

  • "Minha vida daria uma novela".

Ela resume bem o exibicionismo das pessoas com traços histriônicos, que requerem atenção e holofotes o tempo todo.

São pessoas sedutoras que recorrem a inúmeras dramatizações para conseguirem a atenção que necessitam.

Já o décimo primeiro capítulo (11º) fala sobre o Transtorno da Personalidade Narcisista.

Nele, Katia Mecler descreve essas pessoas como arrogantes e cita exemplos como o Homem de Ferro (do filme Os Vingadores) além de descrever melhor as características de Eduardo, o médico da emergência.

No capítulo também há ressalvas quanto à diferenças entre vaidade e narcisismo.

O Grupo C dos Transtornos da Personalidade são retratados nos três seguintes capítulos (12º, 13º e 14º) e falam, respectivamente, do Transtorno da Personalidade Dependente, Transtorno da Personalidade Evitativa e do Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva.

Eles descrevem:

  • Sônia, a enfermeira dependente;
  • Fernanda, a evitativa irmã da paciente e;
  • Marcos, o pai de Paula, com Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva.

Mecler exemplifica, no décimo segundo (12º) capítulo, o Transtorno da Personalidade Dependente com a personagem Felícia dos Tiny Toons. 

Assim como Felícia "sufoca" os animais no desenho os dependentes sufocam os que estão ao seu redor.

A autora ainda alerta para o risco de abusos que os dependentes podem sofrer por conta desses comportamentos submissos.

O Transtorno da Personalidade Evitativa é explicado no décimo terceiro (13º) capítulo, onde a autora descreve melhora personagem Fernanda, irmã de Paula (borderline).

Os evitativos temem, quase sempre sem razão, que serão rechaçados pelos que não conhecem ou conhecem pouco e, por isso, evitam a aproximação, explica Mecler.

O último Transtorno da Personalidade é descrito no 14º (décimo quarto) capítulo, que fala do Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva.

Este capítulo descreve Marcos (pai de Paula e Fernanda) e mostra o quanto as pessoas com os traços deste transtorno são perfeccionistas, extremamente organizadas, ordeiras, rotineiras, autocríticas, autoexigentes, rígidas e inflexíveis (consigo e com os outros). São pessoas que se cobram demais!

Katia diferencia, apropriadamente, neste mesmo capítulo, o TOC do TPOC. Mas ressalta que pode haver comorbidade entre os dois transtornos, como no caso de Melvim, do filme Melhor é Impossível.

Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC) é diferente do Transtorno da Personalidade Obsessivo-compulsiva (TPOC). 

Todos os capítulos destinados aos Transtornos da Personalidade terminam com dificuldades e ferramentas para a convivência, além da descrição de comportamentos típicos de cada transtorno, elencadas pelo DSM e citadas pela autora.

O penúltimo capítulo tem perguntas e respostas sobre a personalidade, temperamento, caráter, os transtornos propriamente ditos, traços patológicos da personalidade, diferenças entre traços patológicos e transtorno, comorbidades, convívio e prognóstico.

No último capítulo (16º), intitulado O Inferno São Os Outros - frase do filósofo Sartre -, Katia argumenta que essa frase ajuda a entender como os que têm algum transtorno de personalidade vêem o mundo.

Os transtornos causam sofrimento tanto para quem os têm quanto para quem convive com quem tem.

A escrita é clara e objetiva em todo o livro. O assunto (reconheço também meu interesse pessoal) é cativante, convidativo e intrigante.

Tanto para leigos quanto para profissionais da saúde mental, a obra agrega conhecimento dos Transtornos da Personalidade de forma "fácil", não por falta de conteúdo, mas sim pela quantidade de exemplos que fazem parte (em sua maioria) do conhecimento popular e pelas explicações detalhadas de cada transtorno.


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Imagens: grátis do pixabay

Referências

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 992p.

GABBARD, G. O. Psiquiatria psicodinâmica na prática clínica. 4º ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 462 p.

MECLER, K. Psicopatas do cotidiano: como reconhecer, como conviver, como se proteger. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2015. 256 p.

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